Pandemia, Solidão, e Arte

O ano de 2020 marcou a vida de todos nós, diante do surgimento de um inimigo invisível: o coronavírus. O mundo não estava preparado para ele. A sua transmissão em poucas semanas alcançou todo o globo, levando medo, caos, e sofrimento. 

As nações se fecharam e recomendaram à população a fecharem as portas de suas casas também. “Quem puder, fique em casa!”

Todas as atividades que antes havia contato humano tiveram que ser readaptadas. Trabalhos, escolas e universidades transformados em “home offices”; restaurantes, bares, e lojas funcionando apenas no formato pegar pra viagem ou entrega; e o mundo sentia o vazio e o silêncio desses espaços. 

O isolamento e distanciamento social foram as principais orientações para combater a disseminação do Covid-19, além do uso de máscara, sabonete e álcool 70º. Mas a dificuldade em respirar e as mãos ressecadas de tanto produto não chegavam nem perto do desconforto gerado pelo isolamento: o sentimento de solidão.

Estar só é diferente de sentir-se só. Solidão está ligada ao sentir-se só, ao desânimo, à tristeza, à sensação de rejeição e abandono, ao não pertencimento e à impotência. Ela está ligada a como nos percebemos quando de fatos estamos sem a presença do outro.

A Solitude, em contrapartida ao termo solidão, foi cunhado pelo filósofo e teólogo alemão Paul Tillich, e, nas palavras dele refere-se à “glória em estar sozinho”. Isto é, ficarmos felizes por estarmos ao lado apenas de nossa própria companhia.

Aprendermos a desfrutar de nós mesmos, entrar em contato com o mundo interior, poder abrir espaço para pensar sobre os pensamentos e emoções, obtendo mais clareza sobre quem somos, são algumas das maravilhosas possibilidades que encontramos diante de vivenciar a mentalidade da solitude.

Naturalmente, pensar sobre isso diante da pandemia que estamos vivendo é um dificílimo desafio, porque muitas vezes estamos imersos em preocupações, receios, apreensões. Presos nos limites e proibições do mundo físico, como também de nossas inquietações mentais.

A mente acaba ficando em todos os outros momentos, menos no tempo presente, e o sentimento desagradável se torna ainda mais dolorido por não conseguirmos dar continuidade às coisas de nossas vidas. E isso pode se repetir por várias vezes.

Mas o que a Arte que tá lá no título tem a ver com tudo isso? 

A Arte, afinal, é uma ferramenta para se encontrar com a solitude, seja você artista, ou não, isso tampouco não importa. O importante mesmo é estar disponível para se conectar com a Arte, no fazer artístico ou na apreciação de uma Obra. A Arte não é a única forma de entrar no estado de solitude, porém é nela que focaremos aqui.

São vários os aspectos relevantes que fazem da Arte uma potente estratégia de combate ao isolamento e à solidão, como podemos considerar abaixo. 

A Arte:

Te traz pro presente. Seja lendo, assistindo, escutando, ou dançando, pintando e atuando. A Arte tem o poder de nos colocar no aqui e agora; de seduzir nossa atenção e sentidos de maneira que ficamos entretidos demais para devaneios mentais.

Quebra a noção de tempo. Você já perdeu a noção de quantas horas se passaram vendo alguma live ou maratonando alguma série? Geralmente a gente só percebe isso quando paramos aquilo que estávamos fazendo. Ficamos tão ocupados vivendo o presente que a percepção de tempo é perdida, não damos atenção aos ponteiros do relógio, e as horas parecem que passaram voando. 

Preenche a vida. O importante da vida é viver o tempo, e não apenas passarmos por ele. A Arte faz com que ocupemos corpo, mente e espírito. Nossos sentidos, pensamentos, intenções e alma estão alinhados no presente, e cada coisa cumpre algo na atividade. Nos sentimos inteiros, completos e gratos. Nossa vida se preenche de sentido. E não importa o resultado, o essencial é apenas a atitude. O ter feito.

É lúdica. Ao nos colocarmos inteiramente no momento presente em um estado de contentamento, de satisfação dos sentidos e da mente, realizando uma atividade prazerosa, nos divertimos, nos entretemos, nos desafiamos e ainda por cima aprendemos com tudo isso. A Arte é um instrumento de educação.

É conexão. Entre o artista, a obra, e o expectador. Consigo mesmo, com todo o cosmos. A Arte nos une, nos conecta, sintoniza a gente. Gera comunicação, diálogo, levanta questionamentos. E a partir dessa conexão, sabe-se lá quais resultados, ações, reflexões podem surgir. Isso é belo, isso é poderoso. É construtor de sentido e de vida. Sentirmos conectados nos torna mais vivos.

É existência. No apreciar e no fazer artístico, por qualquer pessoa sem distinção, a Arte nos sinaliza que estamos vivos, que existimos, que pertencemos, que somos. Esquecemos disso, mas a Arte nos lembra, e essa lembrança nos dá energia, fortalece nossa chama vital.

É expressão. Fazer Arte, independentemente de qualquer habilidade, é se expressar. Exteriorizar algo de dentro, seja figurativo ou abstrato, sentimentos ou ideias e pensamentos, é tirar de dentro e materializar no mundo. Tornar real. Expressar-se é fundamental e necessário para nós, humanos. O que não expressamos se acumula dentro da gente, e dependendo do que for, pode causar angústia, dor e sofrimento.

 É autocuidado. Ao nos expressarmos pela Arte conseguimos verdadeiramente aliviar dores, feridas e emoções profundas. É como uma catarse em que despejamos nossos sentimentos em tela ou em palavras (por exemplo) e a partir daí sentimos conforto no coração, agora desoprimido e tranquilo. Fazer arte torna-se um gesto belo de amor e afeto com nós mesmos.

É imaginação e te dá asas. Por existir entre sonho e realidade, fantasia e mundo tangível, no concreto e no incriado, a Arte abriga um vazio potente. Um local com potência para se criar infinitas possibilidades de ser, viver e existir. Através da Arte superamos os limites impostos pelas paredes de nossas casas e voamos para o universo do tudo-aquilo-que-pode-vir-a-ser, viajando sem sair do lugar, sendo guias das próprias jornadas, e quem sabe quais as surpresas, delícias e aprendizados que encontraremos pela frente. Não existem fronteiras para a Arte.

São essas algumas razões porque a Arte é uma poderosa fonte para enfrentar o isolamento e o sentimento de solidão. Quando bebemos da Arte, nos sentimos vivos e plenos. A Arte é combustível para a vida. Presente divino e faísca vital. É estar bem acompanhado mesmo que só, caminhando pela solitude. É o incomum que para o tempo e preenche a vida.

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