Às vezes a gente esbarra com umas mensagens na internet que fazem todo o sentido. Nunca disse que seria fácil. Nunca pensei que seria fácil.

Foi na minha infância que a afeição pela Arte floresceu. De maneira bastante instintiva e intuitiva me peguei a começar a desenhar. É difícil demais me lembrar dos pormenores daqueles anos, mas recordo-me que sempre tive aulas de arte no colégio, até o 9º ano, graaaças ao cosmos!! Me lembro também que fiz por um pequenino período de tempo, quando morei em Piracicaba-SP, um curso de arte e música, que no geral era brincar com tintas e aprender levemente a tocar flauta kkkk.
Um dos períodos mais importantes da arte pra mim, foi quando voltei para Natal, e estudei num pequeno colégio que hoje nem mais existe, Escola e Curso Crescer (ECC). Lá, tivemos uma professora e um professor de Artes incríveis!! Fico triste pq não consigo evocar nem a pau os nomes deles, mas as aulas eram sensacionais. Recordo que com a professora a gente ia para as áreas da imaginação, criatividade, intuição, impulso artístico; já com o professor, aprendia técnicas, linha do horizonte, ponto focal, perspectiva. Arte é incrível demais.
Pena que em casa, isso nunca foi alimentado, cogitado como algo para se fazer pelo resto da vida. Era, como muitas vezes é, apenas um hobbie, apenas uma brincadeira, apenas um momento de lazer. Tão jovem quanto era, nunca nem tinham conversado comigo a respeito de que num momento futuro eu teria que escolher uma profissão, uma carreira a seguir, imagine cogitar arte como trabalho.
Pois é.
Segui com a vida. Adolescência, vida social, festas, basquete, inglês, praia, resenhas, aquela coisa toda da tal da juventude, a arte foi paulatinamente sendo deixada de lado. Surgia apenas quando eu precisava reproduzir algum desenho que o professor tinha feito no quadro para copiar, e assim foi indo. Até que cheguei no pré, e tive uma crise de identidade. Pré? Pré o que? Vestibular? Curso? Tenho que escolher alguma coisa esse ano e passar o resto do ano todo estudando para tentar passar numa prova? É… acho que vivi intensamente o colégio e tinha me esquecido de olhar para dentro, pensar nos meus anseios, nos meus desejos, nas minhas vocações.
Neste ponto a Arte nem passava mais pela cabeça. Tinha que ser algo que existisse na graduação. E mais precisamente: tinha que ser algo dentro do padrão.
É foda como a gente acaba crescendo numa bolha, que segue as mesmas ideias, o mesmo script, uma mesma vivência. Ficamos presos a certos tipos de formas de levar a vida, de ideias, e eu não era diferente. Acabei colocando várias máscaras em mim, que pra falar a verdade, eu nem sabia que as usava. Era eu. Ou pelo menos eu acreditava que era eu, autêntico. São as coisas da vida que a gente só aprende com o tempo.
O tal do ano do pré foi foda. Troquei duas vezes de colégio, ou seja, acabei estudando em três escolas durante o ano. Ainda bem que na terceira consegui me dar bem, sentir-me acolhido, e isso contribuiu pro me centrar um pouco nas ideias. O problema era aquela coisa da bolha, das máscaras. E depois de um programa de orientação vocacional e de alguns testes vocacionais, sempre dando para o lado de humanas, eu só conseguia ver um curso: DIREITO.
Vocês acreditam que passei o resto do pré e o ano inteiro de cursinho sem questionar essa minha escolha? Achava que ela era correta e coerente e pronto, bora estudar pra passar. E num determinado momento chegou, passei em Direito na UFRN, tava pra lá de feliz.
Até que começaram as aulas.
Logo no primeiro semestre eu já achava algo muito estranho, maaas, era começo de curso né? Um novo contexto, a primeira experiência acadêmica, muitas mudanças… era de se esperar que eu tivesse estranhando, então continuei.
No segundo semestre, as matérias básicas de direito já me avisavam o que viria pela frente. E eu ainda não sentia um bom sabor nessa jornada. Mas não iria desistir assim tão fácil, afinal, tinha sido muito esforço para ocupar a cadeira que eu tava ocupando. E, dessa forma, coloquei-me a participar das coisas. Palestras, Projetos de Extensão, Trabalhos de Pesquisa, tudo que podia. Estava buscando viver a universidade de uma forma mais intensa e completa para ter uma percepção melhor se realmente não era minha vontade continuar ali.
Vocês já sabem onde essa história vai parar né? Em pouco menos de quatro períodos, já um pouco depois da metade do curso, eu estava exausto. EXAUSTO. Não aguentava mais, sentia-me muito mal, chorava ao acordar, chorava sozinho no meio do dia e chorava ao deitar na cama. Estava completamente infeliz. Comecei a participar menos das coisas e fazer só o básico para conseguir passar. Acreditava que estava em depressão. Não via luz no fim do túnel. Não sabia mais o que fazer. Estava realmente muito abalado e fragilizado. Comecei a ter fortes crises de ansiedade, que, na maioria das vezes desembocava como compulsão alimentar. Foram tempos verdadeiramente sombrios. Comecei a me fechar do mundo. Não me reconhecia.
Entrei por um curto período de tempo na terapia, e nela, por mais difícil que fosse, decidi finalizar o curso, e neste caminho de finalização ir buscando me observar e me conhecer melhor.
Preciso fazer um parêntese para agradecer imensamente meus amigos da turma, que me ajudaram e estiveram comigo até o fim, me apoiando, as vezes fazendo partes dos trabalhos para mim, me repassando as atividades, enxugando minhas lágrimas, me levantando e fazendo eu conseguir seguir em frente para finalizar essa tão dura batalha que estava vivendo. Amigos, sem vocês eu não teria conseguido. Essa conquista é nossa!
Aí vocês perguntam, onde é que a arte entra nessa história?
A arte na realidade talvez nunca tenha saído, eu só não dava o espaço para ela emergir. Comecei a prestar atenção nos detalhes, e muuuuuitas, mas muitas vezes, me pegava rabiscando, besteiras mesmo. Mas também, me vi querendo reproduzir verdadeiramente uma imagem, queria desenhar até conseguir fazer algo realmente massa. E essas vontades vinham em momentos de tédio, de vazio, como que um consolo para preencher aqueles momentos. Óbvio, não eram toooodos os momentos, mas surgiam em alguns, e quando vinham, o tempo passava e eu não sentia. E quando dava por mim, não estava mais me sentindo tão mal. Era realmente muito doido.
Decidi então entrar num curso de desenho, no qual passei 6 meses, e aqui preciso para fazer um agradecimento especial ao Professor e Artista Ricardo Tinôco: com seu jeito doce e amigável, com sua energia e calma maravilhosas, davam descargas de animosidade e entusiasmo quanto a arte, ao desenhar, ao criar. Ele me fez acreditar que eu poderia ser um artista, que eu tinha vocação e amor à Arte, e que, de alguma maneira eu precisava colocar ela como prática em minha vida, seja por hobbie, seja como profissão. Não é à toa que nessa época avancei demais na qualidade de meus trabalhos. Foi um período engrandecedor.
Infelizmente pelas distancias e complicações que a vida apresenta, tive que sair do curso, mas as lições ficaram. E minha vontade de fazer arte também.
Paguei ainda na universidade disciplinas de arte como Desenho de Observação, e fez com que eu continuasse me movendo no mundo da arte, aprendendo cada vez mais sobre ela. Nessa época consegui meus primeiros dois trabalhos comissionados, e lampejou em minha mente que eu poderia de alguma maneira ter uma fonte de renda fazendo algo que amava.
Eu ainda não tinha noção do que a arte seria pra mim. Mas a semente tinha sido plantada. Enfim, o curso começou a apertar no final com disciplinas restantes, o famigerado assustador TCC (trabalho de conclusão de curso), problemas no relacionamento e em casa; e, pra completar: torci o pé, e rompi o ligamento tentando voltar às atividades físicas, o que me deu um bônus de quatro (4) meses de fisioterapia.
Bom, foi terrível esse período. Mas a vontade de terminar, com ajuda do meu Orientador/Anjo Morton (Professor, admiro demais a sua forma de levar a vida e seu trabalho, gratidão por tudo!!!), dos meus amigos e da minha família, consegui finalmente concluir esse curso e poder fazer o que queria.
Enquanto terminava o curso percebi que amava duas coisas: arte e psicologia. Sim, a psicologia era a ciência que eu mais amava, que eu mais buscava ler sobre, que eu mais me interessava. Ainda em Direito, participei de um ano e meio de um projeto de extensão PHE (Projeto Hábitos de Estudos) que envolvia muita psicologia e pedagogia, o que me fez ter mais certeza que era aquilo que eu queria, e de quebra me ensinou verdadeiramente a estudar! Parecia que eu tinha vocação para ser psicólogo também, e, como era uma profissão que envolvia passar por uma graduação acadêmica, parecia ser uma escolha sensata da minha parte tomar esse rumo. Então eu seria um acadêmico em psicologia e um artista nas horas vagas.
Direito terminou, abriu uma prova de reingresso para o curso de Psicologia na UFRN, eu fiquei dooooido, organizei meus planos de estudos, entrei nuns cursinhos, baixei provas antigas, peguei livros e meti o aço a estudar. PASSEI, nem acreditava nisso, passei e passei bem, a felicidade era enorme. Pena que não era a mesma para meus familiares, que não entendiam muito bem o caminho que eu queria pra minha vida.
Meu deus como eu amei ter entrado em Psicologia, que Lugar, que mundo, que pessoas!!! A psicologia me transformou dos pés à cabeça, da cabeça aos pés, conheci um mundo de pessoas maravilhosas, conteúdos maravilhosos, conversas maravilhosas. Eu finalmente estava num lugar que poderia ser eu mesmo. Psicologia, és maravilhosa demais. Me trouxe pessoas incríveis, me permitiu vivenciar experiências que jamais passaria vivendo a bolha que eu estava vivendo.
Estava tudo muito bem, comecei a pagar várias matérias, me envolver no curso, me envolver mesmo, mas ainda assim queria dividir meu tempo com a arte. Infelizmente não estava sendo sustentável, pois ainda era cuidador da casa. Eu conseguia cuidar do curso, eu conseguia cuidar da casa, mas não conseguia fazer arte, e isso me frustrava muito. Meu relacionamento tinha acabado e eu ainda estava passando pelas várias sequelas deixadas pelo Direito e pelas transformações. Sabia que eu precisaria entrar novamente na terapia. E assim o fiz.
Aí foi pra torar tudo mesmo. Entrei na terapia e a terapia me jogou no ventilador, me espalhou em pedaços, me fez tocar em feridas profundas, em questões enraizadas, em locais do meu eu nunca visitados (e ainda faz, pq eu não saí e nem pretendo kkkk). São mudanças profundas, mortes e renascimentos constantes, jamais voltaria a ser quem era. Cada vez mais buscando o processo de autoconhecimento, auto construção, cada vez mais encarando minhas sombras, minhas feridas, minhas dificuldades, bloqueios; cada vez mais buscando entrar em contato com meu eu mais profundo, meu eu mais autêntico. O verdadeiro Matheus. Aquele que busca se amar e aceitar como é. Que busca se entender, e a partir disso tomar as atitudes corretas em busca do que me faz feliz. Psicologia (Curso) e Terapia são fodas, ou mais precisamente as pessoas que caminharam lado a lado comigo nesse período foram imprescindíveis para minha transformação.
Hoje, apesar ainda de minhas limitações e bloqueios eu me vejo buscando o que realmente acho coerente dentro de mim, trabalhando as questões, buscando me amar, me aceitar e trazer mudanças reais e positivas para minha vida. E, diante dessa jornada, descobri que meu eu clama pela Arte, clama por essa abertura, clama por ter mais espaço para a que a Arte se aflore.
O curso de psicologia necessitou de uma pausa, já que é um espaço de muita intensidade, entrega, conteúdo, aula, palestras, ora… uma graduação, mas uma graduação que mexe com você. Que te enverga. Cada dia é um dia para uma mexida diferente. Dor, raiva, reflexões, angústias, vivencias profundas e poderosas. Eu não estava conseguindo mais acompanhar.
A arte voltava, voltava, e voltava. E, dessa vez, eu já via de outra maneira. Cada vez mais me aprofundando, lendo, estudando, refletindo, comecei a perceber que o meu amor pela arte poderia me levar a fazer disso minha profissão, e que, através dela eu poderia viver uma vida muito maravilhosa. Mas para isso, era preciso muita dedicação.
Não era só saber desenhar.
O que eu queria fazer de arte? O que eu entendia como arte? O que eu queria trazer para o mundo em forma de arte? Como eu iria compartilhar isso com o mundo? O que eu precisava aprender para transformar meu amor numa profissão viável?
Eu precisava estruturar minha forma de trabalhar com arte. Precisava criar uma rotina e um contexto profissional, e isto demandaria tempo. Tempo que eu não tinha pois repartia com a psicologia e as atividades de casa. Como as atividades de casa eu não poderia dar um break, tive que tomar a difícil decisão de trancar o curso de Psicologia por este ano (2019), na intenção de ter mais aplicação e consistência no meu trabalho, ter mais estudos e mais esforços para tornar viável minha empreitada no mundo profissional artístico, conseguir responder as questões que inquietavam minha mente.
Olha, e não é pouca coisa não. Tive que começar a estudar Empreendedorismo e Marketing Digital, produtividade, criatividade, planejamento financeiro, aprender sobre fotografia, vídeos, postagens, redes sociais, marketing de conteúdo, estudar sobre o mundo da Arte, história da Arte, o que é arte, quais os tipos de Arte, processos artísticos, materiais e suas formas de uso, técnicas, filosofia da arte, biografia de artistas, documentários, luz e sombra, percepção, construção de portfólio, site, planilhas, metas, como organizar exposições, música, cinematografia, referências, ideias e ideais, podcasts, palestras, livros, livros e livros; qualidade de vida, inspiração, incontáveis TEDs (amo), mercado da arte, legislação desse mundo, inserção e internacionalização, entre muuuuuuuuuitas outras coisas que só quem para pra ver, observa que o buraco is further down kkkkkk.
É tanta coisa que eu tive que parar e dizer para mim mesmo (com a terapia é claro): “Não dá! Preciso tomar a arte como prioridade para poder estruturar e conseguir caminhar direito por essa jornada!”.
Acredito eu que só assim, conseguirei me descobrir nesse mundo, descobrir o que eu quero para minha arte, como eu quero me conectar com as pessoas, como eu quero existir nesse mundo, e como eu conseguirei desenvolver um modus operandi do meu trabalho artístico para viver uma vida maravilhosa e de muita qualidade, com as pessoas que amo, comigo mesmo, e com àquelas que criarei conexão através da arte!
Pois uma das razões da arte existir, na minha humilde opinião, é para gerar conexão entre pessoas, entre o mundo, trazendo o incomum à vida, interrompendo o tempo e chamando a atenção para observarmos a beleza e sutileza das coisas; gerar novas reflexões e preenchimento de vida!
Nunca disse que seria fácil, aliás, saber que eu iria frustrar muita gente, saber que eu mesmo iria me frustrar, saber que vão surgir muitos obstáculos pela frente, que eu precisarei ter muita coragem, fé, paciência e resiliência no caminho, saber que cada vez que estudo vejo que mais coisa preciso saber, levaram-me a sentir dores fortíssimas, pois abrigava um conflito entre meu eu do passado, minhas máscaras, minhas feridas, e um eu do presente (e do futuro), que acende a chama do amor e vocação para a Arte, e que, apesar de vislumbrar todas essas batalhas, ainda me faz querer continuar nesse caminho. Enfrentar a jornada, enfrentar a mim mesmo, me autoconhecer, e me transformar cada vez mais num ser mais autêntico, sendo verdadeiro comigo mesmo e com o mundo.
Muitas pessoas não irão entender meu caminho, pessoas próximas, pessoas “virtuais”, muitos irão querer me botar pra baixo, fazer eu desistir, buscar outros caminhos. Mas ninguém vai poder caminhar na vida por mim. Ninguém vai poder sentir as coisas que sinto. Só eu, e apenas eu, poderei seguir a minha vida neste lugar e preciso agir de acordo com o que ressoa em maior sentido em minha alma. E hoje eu sei: minha alma respira ARTE!
Gratidão Universo pelas perguntas e pelas respostas, por abrir meus caminhos, por iluminar meus pensamentos e por ser quem sou. Gratidão a todas as pessoas que passaram pelo meu caminho e fizeram o meu mundo melhor e um mundo de mais aprendizado, gratidão pela família que tenho, principalmente minha mãe, que me dá um suporte inimaginável e pelas amizades que possuo. Gratidão pelas pedras no caminho, pelas falhas, pelos desafios que são oportunidades de crescimento. Gratidão pela Jornada. Gratidão por esta vida. É preciso fazer a nossa vida valer a pena.
(arte da capa: Hendrelc)